Minha mãe conta que desde pequena eu era aficionada em botas. Tudo começou quando ela comprou uma botinha de vinil pra eu usar em uma festa de Halloween com a minha fantasia de bruxinha, mas aí eu me apaixonei tanto por ela que não tirava mais, minha mãe teve até que levar no sapateiro pra trocar o salto eu usei até acabar de novo.
Na adolescência meu gosto era ainda mais forte, com 13 anos eu já usava salto 15 e botas de vinil de cano alto. De aniversário pedi e ganhei um corset que imitava couro de cobra, aí coloquei uma saia de couro com fivelas, meias 7/8 e uma cinta-liga. Eu me sentia linda assim quando me olhava no espelho e queria sair pra me exibir e dar uma volta na Galeria do Rock.
Meu pai, que tinha vindo morar conosco há pouco tempo, surtou! A ponto de uma vez ter jogado todas as minhas roupas pretas (que não eram muito diferentes das que tenho hoje) fora.
Ninguém nunca me incentivou a ser assim, minha mãe é a mulher mais básica que conheço, meu pai é evangélico e das minhas irmãs uma sempre foi hippie e a outra gostava do estilo Barbie.
Hoje ainda me sinto como aquela menina colocando minhas botas em casa só pra me olhar no espelho e me sentir bonita, mas agora no corpo de uma mulher. Talvez fosse mais fácil para os pais quando podiam escolher pela gente Mas a gente cresce e não é um prolongamento deles, a gente não é o que eles projetaram, não realiza seus planos e nem leva a vida que sonharam para nós.
O mundo lá fora sempre vai querer ditar quem devemos ser, mas ele não me assusta tanto quanto o julgamento da porta pra dentro.
Sempre vou ser aquela menina pra eles, mas a minha personalidade também sempre foi forte e hoje é mais forte que o desejo deles. Agora posso escolher não só minhas roupas, mas meu estilo de vida.
A dor e a delícia de ser o que se é se resume a escolhas pra mim. Não posso escolher entre ser quem eu sou ou o amor das pessoas que mais amo. Só posso escolher amar, amar quem sou e amar eles independente de como irão julgar.
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